quarta-feira, 15 de março de 2017

A Política Prospectiva do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

"No mais profundo da crise por que passam as nossas sociedades,  
diante da imensidão dos problemas,
subsiste uma esperança." 
Albert Tévoédjè, 1977


............... As Organizações da Sociedade Civil têm em seu histórico anos de atuação fazendo aquilo que o poder público não consegue fazer: estimular e apoiar a organização de pessoas excluídas dos círculos sociais e capacitá-las para intervir de forma mais efetiva nos processos de formulação e controle social de políticas públicas. Ainda que existam em significativo número no Brasil, não é papel das Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) executar programas em substituição da presença do Estado, mas sim, suscitar alternativas para a melhoria da qualidade de vida da população, buscando superar as desigualdades sociais. Levantamentos apontam significativa relação entre o nível de desenvolvimento dos países, o número de organizações sociais existentes neles e sua população. Isso leva-nos a afirmar que, o número de organizações sociais estabelecidas em um país é diretamente proporcional ao número cidadãos interessados em participar da gestão de seu Estado. 
.................Para efeito deste ensaio, considera-se OSC’s entidades privadas, sem fins lucrativos, que desenvolvam ações de interesse comunitário, que não acumulem, tampouco, distribuam lucros entre seus associados; atuem na promoção e garantia de direitos, podendo estas, desenvolverem ações nas áreas da saúde, moradia, assistência social, entre outras. Ainda que designadas sob uma mesma nomenclatura, é possível encontrar variados tipos de entidades, seja em razão de seu tamanho, missão, modelos de gestão ou estratégias de sustentabilidade, completamente diferentes. Já, Poder Público, considera-se os órgãos com autoridade para realizar trabalhos em nome Estado Brasileiro. A este, associam-se os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, estejam eles situados em quaisquer dos níveis da federação- municípios, estados, Distrito Federal e União. No tocante das premissas introdutórias, a presente pesquisa buscou conferir destaque a política prospectiva do referido Marco Regulatório, revelada através do Procedimento de Manifestação de Interesse Social. Não menos importante, buscou ainda discutir suas contribuições para a efetivação da participação cidadã. Caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa, analítica, descritiva e comparativa, que teve como fontes livros, artigos científicos e matérias de sites informativos. 
.............. O início das discussões sobre a necessidade de se estabelecer, na forma da lei, mecanismos de contratualização entre Poder Público e Organizações da Sociedade Civil datam da década de 90. Foi a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais- Abong quem provocou os primeiros debates entre os anos de 1995 e 1996, tendo em vista, a formalização de um canal de diálogo e negociação das organizações sociais com a União, sobre a matéria. Com o advindo do segundo mandato do governo Lula, outras organizações somaram-se ao debate pelo reconhecimento de sua contribuição para o aprimoramento da democracia e desenvolvimento do país. Nesse momento, o debate ganhou robustez e consistência. Em resposta às articulações iniciadas em 2010, o governo da então Presidenta, Dilma Rousseff, instituiu um Grupo de Trabalho- GT, o qual fora composto por técnicos representantes do Governo Federal e que contou com a participação de representantes de organizações da sociedade civil; após a realização de 2 seminários (o primeiro nacional e o segundo, internacional) e 2 consultas públicas, a lei recebeu a sanção presidencial. Inscrita sob o número 13.019 de 31 de julho de 2014, a lei que instituiu o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), vem estabelecer um novo ordenamento jurídico às parcerias estabelecidas entre a administração pública e organizações sociais, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, bem como, prevê a criação de conselhos gestores e plataformas para o acompanhamento (transparência) das políticas pública. Respalda - pelo menos na teoria, porque ainda não foram feitos estudos suficientes sobre a matéria - as especificidades de suas partes por meio da instituição de mecanismos de controle e transparência que as ajudarão a alcançar os objetivos os quais se propuserem. Tendo como princípios a promoção da segurança jurídica, valorização das organizações sociais, transparência na aplicação dos recursos públicos e efetividade na realização de parcerias, o MROSC inova, em meio a outros dispositivos legais, ao criar instrumentos jurídicos adequados à natureza das partes que o compõe. Não obstante, ainda que reconheça a relevância deste aspecto da legislação, não cabe neste ensaio a discussão das implicações concernentes à expressão adequada, no contexto em que se encontra.
................. A criação de um novo Marco Regulatório é fruto de amplo debate frente ao processo de criminalização da práticas e forma de gestão das OSC’s. Burocracia e constantes mudanças nas regras que balizavam as relações destas com o Poder Público, corroboraram a necessidade de criação de instrumento específico, frente à instauração de um Estado de insegurança jurídica para ambos os lados. Anteriormente, as parcerias recebiam tratamento semelhante ao dado a entes públicos, com a celebração de convênios, regidos pela Lei das Licitações e atos complementares. Um exemplo dessa afirmação é o foco das aferições (prestações de contas), antes meramente quantitativo, o que assume novo caráter, ao utilizar como raiz de seus parâmetros o controle dos resultados, conhecimentos e valores (neste caso, não financeiros) transferidos pela organização aos beneficiários da ação. Contudo, além das inovações destacadas, o MROSC traz a possibilidade das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos apresentarem ao Poder Público, temas de interesse e relevância social através do Procedimento de Manifestação de Interesse Social (PMIS). Com isso, cidadãos poderão contribuir de forma mais significativa para a construção de políticas públicas voltadas ao atendimento dos interesses e necessidades da comunidade local. Contudo, fica evidenciado o fato de que, dentre os diferentes mecanismos de participação cidadã instituídos pelo referido dispositivo, este é o que requer maior atenção quanto a sua adequada regulamentação, tendo em vista, os fins a que se propõe. 
..............  A sociedade político-brasileira tem entre os princípios fundamentais de sua Carta Magna a participação popular na gestão da coisa pública e a soberania de seu povo, como um direito inerente à garantida da dignidade humana. Logo, o direito constitucional de participação na construção dos rumos do país está, intimamente ligado à concepção de cidadania, que por sua vez, reconhece o indivíduo como pessoa integrada à sociedade, com direitos e deveres, sedento por usufruir dignamente dos bens e serviços socialmente produzidos. Todavia, cidadania não é algo que se ganha pronto, mas uma condição conquistada progressivamente. Efetivar a participação cidadã pressupõe a existência de condições inerentes à vontade dos sujeitos, sendo estas não apenas condições constitucionais- conselhos, plebiscitos, referendos, iniciativas populares, etc., mas também ideias. Estas, penetrando nos círculos sociais, determinam o progresso humano ao transformarem a sociedade na qual se estabeleceram. No entanto, quaisquer transformações significativas, precedem a construção (in loco) de processos coletivos, materializados entre as diversas formas e finalidades de planejar. A esse processo é dado o nome de política prospectiva, isto é, um planejamento estratégico, embebido de interações interpessoais e sociais, longe das salas fechadas dos Governos, fundada essencialmente na participação do povo. Com isso, deixa-se de navegar às escuras e aproxima-se cada vez mais da realidade do povo. 
.............. A responsabilidade por fermentar na sociedade o interesse pela participação cidadã é coletiva – poder público e sociedade civil. Nesse sentido, o MROSC ratifica as ações de educação para o exercício da cidadania via pactuação de políticas públicas e não mais como ação pontual. É no PMIS que a política prospectiva se consolida, ao institucionalizar o protagonismo dos empobrecidos, na busca por sua libertação. Logo, já é passado o tempo de o Estado assimilar essa máxima, tomando-a como verdade, no curso da desconstrução de sua autoimagem redentora. Por fim, reafirmamos a evidente e necessária existência de organizações sociais, em razão de sua contribuição para o exercício da democracia a pleno título e afinco na luta contra a criminalização dos movimentos (e direitos) sociais, garantidos constitucionalmente a todo o povo brasileiro. Desta forma, a criação do Procedimento de Manifestação de Interesse Social, no âmbito do novo Marco Regulatório das relações de parceria entre Organizações Sociais e Poder público, constitui-se em uma ferramenta que impulsiona a participação da sociedade civil na definição e controle social das políticas de interesse público.
Palavras-chave: organizações sociais; marco regulatório; participação cidadã. 
Publicado em: ANAIS DA 13ª MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 2016. 


domingo, 1 de janeiro de 2017

Pobreza, Exclusão Social e Direitos Humanos: O Papel do Estado

............ Procuradora do Estado e Doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo, Patrícia Helena Massa Arzabe é autora do artigo Pobreza, Exclusão Social e Direitos Humanos: O Papel do Estado, publicado pela Rede de Direitos Humanos e Cultura, organização nacional com ramificações pelos estados brasileiros. Patrícia também é autora de obras publicadas em institutos de renome nacional e internacional, tais como, Instituto Polis- SP e JusBrasil.
............ Pautado por indagações acerca da caracterização da pobreza, da exclusão social e do acesso e exercício de direitos, o referido artigo busca analisar o papel do Estado brasileiro na perpetuação da desigualdade e na garantia do livre exercício das premissas democráticas. Relativizando no tempo e espaço os percentuais das pessoas mais pobres e das mais ricas, dentre as principais capitais do país, questiona a atuação governamental que, ora atua para a implementação de políticas e projetos que beneficiam agentes econômicos, ora para a projeção da imagem de um país pobre, dependente da solidariedade internacional, que se faz meio de doações ou financiamentos a custo reduzido.
............ Ao abordar o tema pobreza, a autora destaca que tal definição não deve ser reduzida a falta ou insuficiência de renda, mas como a inadequação dos meios econômicos de uma pessoa para realizar-se na sociedade na qual está inserida. Não obstante, discorre sobre exclusão social, expressão que ganhou destaque na década de 80, quando de sua utilização para designar as novas feições da pobreza. Na leitura da autora, as escolhas econômicas de um Estado também contribuem para a destituição de direitos.
............ Mencionado a Constituição Federal, faz refletir o papel dos sistemas jurídicos na proteção contra todas as formas de destituição de direitos. Discute, apoiada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, dentre outros instrumentos jurídicos, a importância da inclusão social para a erradicação das causas geradoras da desigualdade. Segundo a autora, pobreza e exclusão não constituem um bem, motivo de desejo na sociedade. Por esta razão, configura-se como dever ético combatê-los, da mesma forma que, os mecanismos geradores destas situações.
............ Por fim, conclui que o desenvolvimento de políticas públicas eficientes e não assistencialistas – tendo em vista a mudança de paradigma do Estado na perpetuação da desigualdade– perpassará o reconhecimento das funções do Estado na produção e gerenciamento da pobreza.
............ Dentre as fontes de apoio para a produção deste artigo destaca-se Economie sociale: quel pari? de Geneviève Azan (1999), Pobreza y vulnerabilidad de José Bengoa (1996) e Critica del derecho en Francia: de la búsqueda de una teoría materialista del derecho al estudio crítico de la regulación jurídica de Antonie Jeammaud (1986), entre outras.
............ Dialogando com as reflexões da autora, considera-se de suma importância o destaque dado ao fato de a pobreza, nas diferentes feições que assume, produzir reflexos na dinâmica política do país. O texto traz indicadores de pobreza, para os quais chamam atenção, uma vez que, não são atuais. Lê-los hoje, de forma descontextualizada, soa estranho: falta em seu bojo os avanços escalonados durante os treze anos da gestão do Partido dos Trabalhadores a frente do governo federal.
............ Considerado por críticos de diferentes setores a gestão que melhor atuou na distribuição de renda, remodelagem da pirâmide econômica e desconstrução da imagem de miserabilidade impressa no cenário internacional (sem excluir as críticas ao modo de condução da referida gestão) consolidou importantes avanços na garantia de direitos sociais, econômicos, culturais, políticos, etc.  Longe de devotar o status de pobreza e exclusão estritamente a falha do Estado em promover o bem-estar social, assume papel estratégico evidenciar a contribuição estatal nessa ação. Seguindo o curso internacional, o capitalismo brasileiro também tem suas instituições e contratos de circulação mercantil, protegidos.
............ Recursos que, originalmente deveriam servir à promoção da cidadania a pleno título, são destinados ao estabelecimento de parques industriais, formação de mão-de-obra, subsídios fiscais, entre outros. Por essa razão, a autora faz-se muito feliz ao afirmar que pobreza e exclusão não surgem de forma espontânea; são fruto da desigualdade econômica que impera em nossa sociedade e que, por sua vez, tencionam as relações entre pessoas e grupos. Nessa condição, o Estado coloca-se como mantenedor dessa sistemática, contudo, não se propõe a construção de um sistema econômico paralelo ao capitalista, mas uma adequação em suas práticas distributivas. O permanente estado de exclusão social em que vivia e ainda vive parcela da população brasileira, não é compatível com a ideia de democracia. 
............ Uma vez reconhecido o papel indutor do Estado na perpetuação das relações que reproduzem a pobreza, torna-se menos penosa a elaboração e implementação de políticas de redução da pobreza e, consequente desigualdade.
............ Em tempo, a leitura deste artigo é recomendada a toda e qualquer pessoa interessada em aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto. Todavia, sugiro que profissionais e acadêmicos de serviço social também o leiam, uma vez que, se trata de um texto que estimula a problematização e crítica social, à luz da realidade brasileira. Sou Pâmela Ieda Muniz, acadêmica de Serviço Social pelo Centro Universitário Internacional.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Massa Arzabe, Patricia H,  Pobreza, Exclusão Social e Direitos Humanos: O Papel do Estado. Rede de Direitos Humanos e Cultura. Acessado em: http://www.dhnet.org.br/direitos/dhesc/phelena.html, 05/12/2016.